domingo, 21 de outubro de 2012

Cotas sociais e "dinheirocracia".



             Apenas 20% da população brasileira estuda em escolas particulares, e você ainda acha pouco ter cinquenta por cento do total de vagas reservados para todos concentrado só em mãos de uns poucos ?  A proporção de alunos concorrendo pela escola particular é muito menor do que os da escola pública, que terão apenas cinquenta por cento das vagas para 80% da população. Querer uma política sem cotas é altamente utópico, pois a sociedade não é nem de longe perfeita para que haja a tão sonhada igualitária distribuição de alunos de cada instituição dentro da universidade federal, e muito menos em pé de igualdade para competir, ainda mais dentro de uma sociedade capitalista em que, infelizmente, qualidade de ensino tem muito a ver com a cor do dinheiro.

           
Aluno de escola pública e negro que acata opinião contra cotas que diz que "esse bando de vagabundo vai deixar o curso na metade e não vai aguentar o tranco, não tem vontade de estudar" está assinando em baixo uma opinião preconceituosa que o denigre. Pare. Pense. Enquanto os próprios cidadãos renegados se colocam em posição de autodepreciação através da opinião de uma pessoa geralmente branca, que veio de uma vida de escola particular e morou sempre na parte rica da cidade,como se fosse uma verdade sobre as dificuldades que os pobres de escola pública passaram, não vão conseguir sair do lugar e continuarão colocando essas pessoas em um patamar acima. A política de cotas sociais está causando alvoroço porque ao menos uma vez na vida os ricos estão experimentando receber um não com os quais nunca foram acostumados. Menos cinquenta por cento de vagas pra vocês não é acabar com as "suas" vagas (como se só vocês as merecessem) não é acabar com os seus direitos. É ter a mesma capacidade de ser uma pessoa com possibilidades profissionais que vocês sempre tiveram.

           Dizer que o vestibular é meritocrático é dar risada na cara dos pobres e dizer a eles que só quem tem dinheiro merece uma vaga, e daí ? Quer passar, vai pagar 3000 reais por mês, como todos nós, merecedores, que temos acesso ao ensino elitista que permite a entrada em uma universidade federal. Quem liga para os pobres, não é mesmo ? Engraçado como todos aqueles que durante a época em que só havia o sistema de cotas racias e que defendiam que as cotas deveriam ser sociais e não raciais, porque aí sim estaria sendo algo válido, dizendo que todo o racismo e os problemas causados pela escravidão acabaram porque "Ó, a escravidão também acabou e não deixou nenhum resquício na sociedade atual", agora estão enfurecidos porque os alunos de escola pública poderão finalmente ter acesso a um ensino de qualidade. A verdade é que eles simplesmente não ligam para a maneira como os pobres estão sendo educados, é tudo a respeito como o privilégio deles não é tocado.

          Claro, porque obviamente, o que é justo é colocar um aluno que passava fome em casa e sua única refeição no dia era a que a escola dava, numa escola em que os professores muitas vezes faltavam, não se importavam devidamente com a maneira como seus alunos eram educados, e depois no período contrário tinham que trabalhar para ajudar no sustento da família, para concorrer "justamente" com um cara da elite com o tênis da moda que usa seu smartphone para reclamar com os amigos de não ter ganhado um iphone 5 do pai porque estourou os 5000 mil reais de limite do cartão de crédito, só no mês que vem você ganha tá, filho. Tadinho. Vamos deixar as vagas todas pra eles, que tiveram acesso a um colégio com mensalidade absurda e cursinho mais caro ainda, para que finalmente a justiça seja alcançada. Os pobres ? Ah, que eles esperem um investimento governamental para ter acesso a um ensino que os equipare de forma "justa" ao que todos nós recebemos.

        Uma limitação não é acabar com seu privilégio, na verdade, não é absolutamente nada perto das exclusões e pisadas que os pobres sofreram por gerações inteiras. O problema não é ser da elite, é se fechar num mundinho de contos de fadas excludente que não funciona e rebaixa a maioria das pessoas e não ver os próprios privilégios. Não estão acostumados a ouvir que algo não será da maneira como querem, e agora ficam se doendo porque nós teremos condições de equipará-los sem o dinheiro que eles gastam. Cotas não são só um belo tapa na cara de uma sociedade elitista e dinheirocrática, é um dedo em riste apontado pro meio do nariz de cada um deles, enquanto muita gente ri. "Nossa, mas quem disse que tem que ter política assistencialista o tempo todo para esses pobres ?" Foram vocês, hipócritas dessa cara sociedade. Por isso que, na maioria das vezes, os mais pobres não tiveram oportunidade de chegar a ter dignidade alcançada pelos próprios esforços, se nunca deixariam espaço se não fosse a força, não é mesmo?

Seu dinheiro não mais compra a maneira como usufruireiremos de nossa educação.

Ísis Higino. Da escola pública.

3 comentários:

  1. Não gosto de falar sobre o sistema de cotas porque tenho uma posição de minoria (pelo menos no meio em que vivo): SOU CONTRA. Mas não por achar que quem estuda em escola pública não mereça fazer um curso superior, mesmo porque, eu sempre estudei em escola pública, inclusive na faculdade.
    Eu sou contra porque acredito que esta política se apega ao assistencialismo, dando aos menos favorecidos a condição para entrar na faculdade, mas não se preocupa em melhorar a qualidade de ensino - na verdade o governo só faz tratar o sintoma, ao invés de atacar a doença.
    APOIO PLENAMENTE a entrada dos menos favorecidos nas escolas superiores, mas lamento que estas mesmas instituições não recebam da parte do governo a atenção devida para que sejam capazes de formar profissionais competentes.
    De um lado o governo populista do PT cala os anseios dos pobres dando-lhes acesso ao ensino superior... e do outro, se apoia nesta mesma atitude para cobrar destas instituições um comprometimento com a qualidade que o próprio governo não tem.
    Se os professores fazem greve, são taxados de baderneiros - fica muito estranho ouvir tal comentário de políticos que cresceram graças a movimentos grevistas da década de 80 (ano em que o PT nasceu).
    Tudo que eles sempre atacaram estão fazendo... e nada do que defendiam estão cumprindo.
    Fiz faculdade de História na mesma época em que o PT nasceu. Fui petista (sou filiada até hoje), mas o partido se desviou muuuuuuito daquilo que defendia no início.
    Quer um exemplo: eu sempre ouvi os esquerdistas (meus colegas de faculdade da época) defenderem que assim como você não deve assinar um documento sem ler, não deve se filiar a um partido sem conhecer as suas diretrizes e o seu estatuto... Pois bem, quando me propuseram a filiação me negaram a entrega do estatuto do partido. Apenas me disseram "vou providenciar, depois eu te entrego". Na verdade - descobri depois - estavam "loucos" atrás de novos filiados porque daí a dois dias iria acontecer uma convenção do partido para escolherem os candidatos que iriam concorrer às eleições e qualquer um poderia participar da reunião, mas somente os filiados poderiam votar. Moral da história, me usaram para conseguir voto para seu candidato.
    Vi o PT se transformar por dentro.
    Eu não mudei o modo de ver o mundo.
    O partido mudou.
    Eu não deixei de me sentir "de esquerda"... mas deixei de ser de esquerda.
    Nunca pensei que um dia eu diria isso, mas HOJE EU TENHO ORGULHO DE SER "DE DIREITA" porque isso significa estar contra MUITA coisa errada - e eu sei que está errada porque não sou mais nenhuma adolescente sonhadora. Já tenho quase 50 anos de idade. Vi e vivi a história recente e sei o que estou falando.

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  2. Me desculpe ter desviado do assunto.
    Estávamos falando de racismo e do regime de cota nas universidades.
    ...
    Bem, como eu já disse, sempre estudei em escola pública porque sou de família muito pobre. Minha mãe teve que se sacrificar muito para poder garantir que eu estudasse e não precisasse trabalhar (ela chegou a ter dois empregos). Os meus pais eram separados e a pensão era uma piada. Minha irmã mais velha começou a trabalhar aos treze anos, mas eu pude estudar.
    Nunca fui aluna de tirar nota dez. Não tive a chance de sempre estudar nas melhores escolas, mas o segundo grau eu fiz em uma escola pública considerada muito boa - por essa razão as minhas notas foram as piores nesta época.
    Bem,mesmo assim passei no meu primeiro vestibular numa época que não existia o ENEM e fui para uma faculdade pública.
    ... Mas às vezes eu fico pensando: que pena que eu não posso arranjar um jeitinho de colocar as minhas filhas na faculdade através do regime de cotas porque elas são brancas. E que pena também que elas sempre estudaram em escola particular (o pai podia pagar) porque assim fica difícil concorrem com aqueles outros tantos candidatod do ENEM - neste caso ELAS SÃO "A MINORIA".
    Talvez assim eu pudesse realmente mudar de ideia com relação ao regime de cotas - porque segundo o que você mesma diz: as pessoas só são contra quando não podem se beneficiar.
    Por outro lado, as faculdades estão tão sucateadas que fico na dúvida se vale a pena.
    -- Só para constar: ainda hoje eu não recebi o estatuto do partido (ainda sou filiada); meu marido também sempre estudou em escola pública - inclusive na faculdade; fiz duas faculdades e meu marido três; sou dona de casa e artesã e nunca dei aulas; meu marido é funcionário público federal (passou no concurso); apenas uma das minhas filhas faz faculdade pública - passou pelo SISU... a outra estuda em casa e vai prestar o ENEM - mais uma vez.

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  3. Achei o seu texto muito interessante, mas acredito que pessoas como eu - que são contra o regime de cotas - não estão sendo EXATAMENTE racistas.

    Claro, algumas podem estar, mas não vamos generalizar.
    Afinal o mundo não é tão maniqueísta assim. Ele é muito mais complicado.

    Você já leu "Relativizando" do antropólogo Roberto Da Mata?
    Eu li quando estava na faculdade.
    Você deveria dar uma olhada - a linguagem é bem simples e mesmo quem não tem familiaridade com os termos antropológicos consegue chegar ao final sem pegar no sono.

    Ali ele esmiúça bem a teoria da relatividade de Einstein - mas ele se apropria desta teoria para fazer uma análise da sociedade e não da física (nunca entendi essa matéria).
    Ele esclarece muito bem as "complicações sociais".
    -- Estou indicando este livro porque foi a partir dele que eu passei a perceber que o meu modo de ver as coisas era extremamente simplista.
    Claro, depois de ler o mundo ficou mais complicado... mas eu perdi a inocência.
    ...
    Seus argumentos são válidos, mas a forma como você os analisa é prematuro.
    ---
    Só espero que você não leia o que estou dizendo e não despreze o que digo simplesmente porque se sentiu ofendida.
    Estou tentando ajudar.
    ...
    Mas como eu desconfio que minhas palavras serão um tiro no vazio.
    Afinal, é mais fácil criticar do que tentar entender.
    Eu sei.
    Eu já fui assim.
    De qualquer forma... Eu tentei.

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