sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Seu racismo me ofende.


 

Tanta gente pra dizer que preconceito não existe, tão poucos pra mostrar. Tanta gente que se contenta com uma desculpa esfarrapada pra justificar o injustificável. E ainda perguntam: Dia para a consciência negra, pra que ? Ou dizer que, de fato, o racismo não existe, pois na verdade nosso país é tão miscigenado que não somos negros, não. Me desculpe, eu sou negra e eu existo, e não admito ser classificada dentro daquilo que me faz ser quem sou com base no seu racismo. Não sei se classifico como ingenuidade, hipocrisia ou desinformação. Só sei que todos eles escondem um desconforto com o que ser negro representa. Não, não é elogioso tentar me embranquecer com o termo "pardo", "morena" ou derivados, minha cor não precisa ser amenizada pela maravilhosidade da sua cor branca.

O fato de haver incômodo quando se recorda as marcas que o colonizador branco deixou no seio de nossa população até os dias de hoje tem nome. É preciso parar de tentar desmerecer a nossa luta ao dizer que o que nos afeta não existe, enquanto continua do alto de um privilégio branco dizendo que a nossa cor não incomoda. Se não incomodasse, não haveria tanta necessidade de se justificar ao dizer que os seus gostos são pessoais e não refletem a péssima representatividade da miscigenação brasileira na televisão. Não, imagina. Coincidentemente aquilo que se acha esteticamente bonito é o que a mídia mostra todos os dias como mulheres altas, magérrimas, loiras e de olhos claros, cabelos lisos. Lembra algo de negro ? Engraçado é que o Brasil seja o pais que concentra o maior percentual de população negra fora do continente africano, em que de acordo com o censo de 2000 cerca de 45% dos brasileiros se declararam negros ou pardos, mas não se veja esse mesmo percentual nos representando nas propagandas ou na televisão.

Isso não é uma questão de estética. É uma questão de opressão, preconceito e racismo. Ligue a televisão hoje à noite e conte quantas atrizes têm o cabelo liso e pense em quantas atrizes com cabelo crespo, não ondulado, são protagonistas nas novelas. Repita o processo com todas as propagandas, e não se esqueça de contar quantas âncoras de jornal. Depois conte quantos produtos de cabelo prometem deixar o cabelo crespo e quantos produtos prometem deixar o cabelo liso. É uma afronta à minha representatividade e à minha etnia incentivar as pessoas a acharem que isso é gosto pessoal e não um ataque à nossa liberdade e um ato de opressão. Não acha coincidência demais que um padrão de beleza construido nos dias de hoje seja o mesmo que as revistas, propagandas e novelas mostram ? Não pensar sobre de onde vem o seu gosto pessoal é permanecer nos mesmos erros.

A nossa autoimagem é construída pelo olhar do outro, porém, enquanto continuarmos a defender um padrão gordofóbico e racista como se fossem as únicas coisas aceitáveis, continuarão a aparecer justificativas para violência, racismo e bullying. Dizer que gordos e negros não são representáveis porque é uma questão de estética é confirmar uma estatística crescente de jovens que cometem suicídio ou adquirem anorexia por não aceitarem seus corpos fora dum padrão socialmente construído. Quem tem que mudar não são os grupos oprimidos, se adequando ao padrão imposto pela mídia, alisando os cabelos, pintando de loiro, emagrecendo e usando lente de contato. São os preconceituosos que precisam modificar sua visão de mundo, e dizer que o racismo não existe não contribui em nada para isso. Ou melhor, contribui, mascara um problema social de séculos como se não fosse nada.




Hoje ouvi a brilhante argumentação de que "Há muitos negros na mídia, a Juliana Paes... A Flávia Alessandra". Flávia Alessandra ? Aquela branca, loira ? Realmente, isso mostra pra mim a propriedade que se tem pra falar dos negros no nosso país. Claro, eu que sou muito torpe e deveria mesmo me sentir super bem representada por ela e todas as infinidades de mulheres brancas, loiras de olhos claros que aparecem todo dia na televisão. Talvez você tambéma ache que as bonecas das meninas sejam ótimas pra mostrar a representatividade. Sugiro que veja esse pequeno vídeo. A agonia que você hoje sente ao tentar ignorar o racismo que eu sofro ao desprezar uma data que representa a luta de um povo historicamente oprimido, nós sentimos a anos.

A diferença é que o incômodo vem da vontade de omitir o sofrimento que ainda hoje acontece, baseando-se numa justificativa em cima de outros preconceitos e senso comum, ou de expectativas que dependem do ato de realmente fazer algo a respeito disso, sem de fato fazer parte da mudança. Dizer que o racismo não existe deve ser muito cômodo mesmo, aí não precisa efetuar nenhuma mudança na maneira racista de agir e pensar. O preconceito é o combustível para o sofrimento, e a sua omissão é o fogo sem socorro que corrói a sociedade que também é nossa, mas insiste em não nos querer. Preconceito é horrendo. Seu racismo, me ofende. Mas talvez seja só eu que não consiga enxergar, olha só a Flávia Alessandra, como será que pode um negro não se identificar com ela ? Acho que nem ela precisa dizer.

Flávia Alessandra e Mateus Solano em crise de identidade ao tentar representar os negros na televisão brasileira.

"Andando numa rua de noite, muita gente branca já fugiu de mim. A minha ameaça não carrega bala mas incomoda o meu vizinho imaginário dessa gente dita brasileira e tudo grita pela minha pele, qual será meu fim... Eu não compactuo com esse jogo sujo. Eu grito mais alto ainda e denuncio esse mundo imundo . A minha voz transcende a minha envergadura. Conhece a carne fraca ? A minha é do tipo carne dura!" - Éllen Oléria, música Testando, que representa um recorrente problema na vida de Flávia Alessandra.

Ísis Higino